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Super-sentimental, drama romântico dirigido e
interpretado por Eastwood ganha força pela ótima interpretação de Meryl Streep. |
O passado sempre tem algo a dizer nos filmes de
Clint Eastwood. Mas, no fim, a última palavra é mesmo da morte. Não é por acaso
que em "As Pontes de Madison" (TCM, 22h; 12 anos), um dos mais
delicados filmes desse autor, a ação deriva de uma carta deixada pela mãe para
os filhos, onde relata a história de amor extraconjugal com um fotógrafo que
passou por ali.
Existem, assim, dois filmes no filme: a história da
mãe e a dos filhos, que se confrontam, atônitos, com uma história que não
apenas transforma toda sua história pessoal, seu próprio passado, como mexe com
toda sua concepção de moral.
Não é estranho, mas é para notar que a filha
reconheça bem mais facilmente o direito da mãe ao desejo do que o filho.
Homens: à retaguarda!
Muitos anos após viver Dirty
Harry e protagonizar os faroestes antológicos de Sergio Leone, Clint Eastwood
viria a dirigir um filme para comover 10 entre 10 corações apaixonados. As
Pontes de Madison é uma obra que mescla um belo romance e um
drama bem estruturado, mesmo inserindo em sua narrativa alguns recursos um
tanto óbvios para o gênero. Richard LaGravenese adapta o romance de Robert
James Waller, onde durante menos de uma semana se acompanha a história de
Francesca, imigrante italiana casada, com dois filhos, que possui uma fazenda
no interior do estado americano de Iowa, vivendo em concessão com sua pacata
existência. Quando seu marido e filhos viajam, deixando Francesca sozinha, um
fotógrafo de Washington aparece e pede ajuda a ela, desejando encontrar e
então fotografar as pontes cobertas do local, citadas no título do filme.
LaGravanese, que recentemente
dirigiu e roteirizou P.S. Eu Te Amo, é o responsável por parte da
depreciação justificável que se pode ter em relação a As Pontes de Madison.
Seu roteiro dá grande ênfase em um segundo núcleo que é centrado nos
filhos de Francesca, já adultos, que retornam à casa da mãe para
resolverem assuntos relativos ao falecimento da mesma. O filme se inicia,
termina e é pontuado por constantes intervenções deste núcleo, composto
por personagens fracos que nada acrescentam à trama, interpretados por
atores pouco competentes. A justificativa de que a história de amor de
Francesca e Robert está sendo descoberta e contada pelos filhos da primeira
pode funcionar na literatura, porém no contexto do filme transparece como
apelo dramático fácil, pois se o espectador enxerga a imoralidade na relação
extraconjugal da protagonista, aceita com maior facilidade após o
consentimento de seus próprios filhos.
O filme ainda possui
algumas cenas belíssimas interrompidas pela narração desnecessária de
Francesca, que mesmo acontecendo poucas vezes, apenas reitera através de
palavras o que Eastwood evidencia com sua detalhista direção. A narração
dificilmente acrescenta algo que é imperceptível aos olhos, fazendo
assim com que a profundidade atingida por algumas sequências se perca em
superficialidades proporcionadas pela "explicação" desses momentos.
A direção de Eastwood é
elaborada, como sugeri antes, detalhadamente, e o trabalho do mesmo é
muito bem desenvolvido, somado à bela fotografia de Jack N. Green,
que também trabalhou com o diretor em Cowboys do Espaço e no
subestimado Meia Noite no Jardim do Bem e do Mal. Alguns planos
escolhidos pelo diretor deixam claras as referências que o roteiro elabora em
relação ao envolvimento dos personagens. Quando os amantes versam rapidamente
sobre o voyeurismo, por exemplo, em outro momento a câmera tende a se
afastar, em um plano que cobre a refeição de ambos através de um ângulo que
se divide entre a mesa de jantar e uma parede. Mesmo que Francesca se culpe
por observar Robert em alguns momentos, mantendo-se escondida, no início do
envolvimento de ambos, Eastwood explicita na passagem supracitada e em outras
que o verdadeiro voyeur desse romance é o espectador.
Não levando em consideração
alguns útimos trabalhos frente às câmeras, o que fica evidente em As Pontes
de Madison é que, como ator, Clint Eastwood é um ótimo diretor. A
composição que o mesmo cria para Robert é limitada, apoiada quase que
inteiramente nos bons diálogos do personagem. Robert não tem um caráter
definido e parece existir apenas para ser a peça fundamental do romance e dos
subsequentes questionamentos de Francesca. Eastwood vive Robert com certa
intensidade contida, encontrando apoio apenas em Meryl Streep, que carrega
praticamente toda a carga emocional do filme em sua cativante personagem.
Streep, indicada ao Oscar por este papel, constrói uma personagem única, que
fala por vezes mais com um simples movimento do que através de várias frases.
A conformada dona de casa é definitivamente um de seus maiores papéis,
dada a imersão da atriz neste filme. O Oscar em 1995 infelizmente não foi
para a atriz, porém a mesma fora recompensada em outras duas ocasiões. O
prêmio, porém, não fora desperdiçado: Susan Sarandon o levou, por sua
interpretação em Os Últimos Passos de um Homem.
Mesmo sendo consideravelmente
prejudicado pelos problemas aqui já apontados, deve-se reconhecer o
grande mérito de As Pontes de Madison, dada a força originária da história de
Francesca e Robert. O casal gera imensa empatia logo em sua primeira cena
juntos, e fazem com que seja impossível a depreciação das atitudes dos
mesmos, graças em grande parte, volto a repetir, ao trabalho extraordinário
de Meryl Streep. Se o roteiro faz escolhas erradas, se a atuação de Eastwood
não contribui, ou se mesmo a trilha sonora, melodramática demais, seja
utilizada em demasia, nada diminui o impacto que causa o relacionamento dos
protagonistas, que é intenso, puro e genuíno. Peça fundamental para aqueles
que apreciam os filmes do gênero, As Pontes de Madison deve ser ainda melhor
programa quando assistido a dois. E é bom lembrar de ter por perto um
lencinho. Ou, de preferência, uma caixa deles.
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Por várias razões, o filme 'As pontes
de Madison' é uma bela produção. Primeiro por trazer para as telas uma sutil
crítica ao moralismo burguês, tanto estadunidense, quanto de outras partes do
mundo. Em segundo lugar, por tomar uma situação bastante comum como eixo
temático e, principalmente, por colocar o dilema ético do amor, dividido entre
o senso de dever, o autossacríficio, e a plenitude da alma realizando-se num
profundo e maduro amor que (re)surge na maturidade.
Um fotógrafo de passagem por uma
fazenda, descobre nas conversas com uma dona de casa a possibilidade de
realização do amor sem paixão passageira, mas do amor amadurecido pelo tempo e
pela experiência. Ao final do filme, aparece o momento da decisão entre o senso
de dever e o amor possível. Não vamos tirar do eventual leitor desse blog a
oportunidade de descobrir por si mesmo, todos os meandros desse belo filme que
não envolve corpos musculosos e figurino caro, mas apenas duas pessoas maduras
e amadurecidas vivendo um dilema comum e, talvez, o mais atormentador de todos.
Se 'o coração tem razões que a própria
razão desconhece', como escreveu Blaise Pascal, eis uma boa oportunidade de
pensar - muito - sobre o assunto !
- por Paulo Santos
Ficha técnica: The Bridges Of Madison County. 1995.
Ano de Lançamento: 1995
Gênero: Drama, Romance
Direção: Clint Eastwood
Elenco: Clint Eastwood, Meryl Streep e Annie Corley
Produção: Warner Bros. Pictures, Amblin Entertainment
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